A primeira edição do Boletim sobre
Violência Domestica durante a pandemia COVID-19 saiu em abril de 2020, e já
temos a segunda edição com os dados do mês de maio. De acordo com a Lei 11.340/2006, a
violência doméstica é qualquer ação ou omissão baseada no gênero que cause à
mulher morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou
patrimonial no âmbito da unidade doméstica, no âmbito da família ou em qualquer
relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a
ofendida, independentemente de coabitação (Política Nacional de enfrentamento a
violência contra a Mulher, 2011).
Embora a quarentena seja a medida mais
segura, necessária e eficaz o regime de isolamento imposto para minimizar os
efeitos diretos da Covid-19, trouxe uma série de consequências na vida de
milhares de mulheres que já viviam em situação de violência doméstica, pois estão
sendo obrigadas a permanecer mais tempo no próprio lar junto a seu agressor, e
uma das consequências diretas dessa situação, além do aumento dos casos de
violência, tem sido a diminuição das denúncias, uma vez que em função do
isolamento muitas mulheres não têm conseguido sair de casa para fazê-la ou têm
medo de realizá-la pela aproximação do parceiro.
A denúncias através do 180 (Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência , serviço criado em 2005) que recebe denúncias de violência contra a mulher e fornece orientação sobre direitos e sobre a rede de atendimento, apresenta um crescimento contínuo de denuncias nos meses de março e abril nos últimos 3 anos. Verifica-se, passando de 14.853 denúncias entre março e abril de 2018 para 15.683 em 2019 e 19.915 este ano, período já afetado pela crise sanitária. Enquanto o crescimento entre 2018 e 2019 foi de 5,6%, entre 2019 e 2020 foi de 27%.
Foi verificada redução dos registros de
lesão corporal dolosa em decorrência de violência doméstica no período de março
e abril de 2020, onde a causa pode ser as
dificuldades que as mulheres encontraram em se deslocar para a
delegacia. A maior redução se deu no Maranhão, com 97,3% de redução entre março
e abril desse ano. No Rio de Janeiro a redução no número de registros foi de
48,5% e no Pará de 47,8%. O Estado do Rio Grande do Norte, único que apresentou
crescimento no número de registros em março desse ano verificou uma queda de
57,7% das denúncias em delegacias de polícia em abril, já sob a vigência das
medidas de isolamento social. Mesmo nos Estados em que foi implementado o
boletim de ocorrência eletrônico se verificou queda nos registros como
A Lei do Feminicídio (Lei 13.104,
de 9 de março de 2015) qualificou o crime de homicídio quando ele é
cometido contra a mulher por razões da condição de sexo feminino (quando o
crime envolve violência doméstica e familiar e menosprezo ou discriminação à
condição de mulher). O crescimento no número de feminicídios registrados nos 12
estados analisados foi de 22,2%, saltando de 117 vítimas em março/abril de 2019
para 143 vítimas em março/abril de 2020. No Acre o crescimento chegou a 300%,
passando de 1 para 4 vítimas este ano; no Maranhão o crescimento foi de 166,7%,
de 6 para 16 vítimas; no Mato Grosso o crescimento foi de 150%, passando de 6
para 15 vítimas. Apenas três UFs registraram redução no número de feminicídios
no período, Minas Gerais (-22,7%), Espírito Santo (-50%), e Rio de Janeiro
(-55,6%).
A violência sexual, que segundo a
Organização Mundial da Saúde (OMS é definida como “todo ato sexual, tentativa de consumar um ato sexual ou insinuações
sexuais indesejadas; ou ações para comercializar ou usar de qualquer outro modo
a sexualidade de uma pessoa por meio da coerção por outra pessoa,
independentemente da relação desta com a vítima, em qualquer âmbito, incluindo
o lar e o local de trabalho” abrange casos de estupros de autoria de
conhecidos ou desconhecidos, de estupros dentro de um relacionamento, de
estupro e abuso sexual de crianças, e de abuso de pessoas com algum tipo de
incapacidade física ou mental. Estes crimes vêm crescendo no Brasil há alguns
anos, atingindo o ápice já registrado em 2018, quando 66.041 estupros foram
notificados às autoridades policiais.
No entanto, houve redução dos registros de estupro e estupro de vulnerável nas delegacias de polícia no último bimestre, e o que poderia ser uma noticia boa, ao contrário, é muito preocupante, pois pode indicar que as vítimas não estão conseguindo chegar até a polícia para denunciar o crime. Os dados coletados junto aos estados indicam redução de 28,2% nos registros de ocorrência, com alta concentração no mês de abril, período em que todos os estados já viviam medidas de isolamento social. Apenas neste mês a redução foi de 39,3%.
Desde a entrada em vigor da Lei Maria
da Penha (Lei nº 11.340/2006), dentre os instrumentos legais para coibir a
violência doméstica e proteger suas vítimas destaca-se a criação das medidas
protetivas de urgência, isto é, tutelas de urgência autônomas que podem ser
concedidas por um juiz, independentemente da existência de inquérito policial
ou processo cível, para garantir a proteção física, psicológica, moral e sexual
da vítima contra o seu agressor. De acordo com os dados disponibilizados pelos
Tribunais de Justiça de cada estado, o número de concessões de medidas
protetivas de urgência apresentou queda de, respectivamente, 31,2% no Acre,
8,2% no Pará, 14,4%
O 190 é o número de telefone da Polícia Militar, disponível 24h por dia em todo o território nacional. O acionamento da Polícia Militar através do número 190 pode ser feito pela vítima, por vizinhos ou qualquer cidadão que avaliar necessário, mas infelizmente as Polícias Militares de vários Estados ainda registram casos de violência doméstica sob a nomenclatura “desinteligência”, geralmente utilizada para classificar episódios que entendem não serem problemas de polícia, no Estado de São Paulo, por exemplo, o dado de violência doméstica só passou a ser computado pela PMESP em março de 2019. e no Rio Grande do Sul em abril de 2020.
Todos esses números apresentados
demonstram por um lado a crescente da violência contra a mulher e por outro uma
diminuição de denuncias, não pela diminuição de casos, mas pelas dificuldades
que a pandemia do Coronavirus trouxe as mulheres para o registro de denuncias e
o medo de seu agressor tendo em vista que passaram a conviver mais tempo com
esses, o que nos leva a refletir que ainda falta muito no avanço dos canais que
facilitem as denuncias quando nos depararmos com situações de emergências como
essa que estamos vivenciado. Quem quiser conferir todo o trabalho realizado
pelo Fórum Brasileiro de Segurança Publica é só acessar o site https://forumseguranca.org.br/publicacoes/violencia-contra-meninas-e-mulheres/.
Autora: Maria de Lourdes Moreira
Bacharel em Direito
Pós Graduada em Direito e Processo Penal pela Universidade 9 de Julho